Tinder e Happn sob a ótica do design emocional
- Maíra Melo
- 11 de jul. de 2018
- 5 min de leitura

Quando falamos sobre design emocional geralmente pensamos em produtos palpáveis ou ainda na capa do livro de Donald Norman. Aqui iremos aplicá-lo aos dois mais populares aplicativos de relacionamento, Tinder e Happn, e analisá-los por cada nível do design emocional segundo Donald Norman.
Nível 1: Visceral
O nível visceral está relacionado ao instinto e ao estímulo que o artefato gera aos nossos sentidos. Cor, cheiro, textura, tudo aquilo que nos seduz à primeira vista e se torna muito convidativo e conquistador para que o experimentemos.
Sob o nível visceral, Tinder e Happn são atraentes pelas fotos de usuários ou perfis na propaganda lançada para seu possível público. A beleza ali implicada atinge diretamente o nível visceral dos usuários, atraindo-os para a experimentação.
Uma vez que se torna membro destas plataformas, o usuário continua a prática em um nível inicialmente visceral e, que aos poucos, tornar-se comportamental.
Ainda no nível visceral, Tinder e Happn iniciam suas diferenças. Tinder oferta candidatos no sistema um-a-um, ou seja, o usuário distribui sua atenção a cada candidato por vez e neste tempo de abordagem a experiência dele pode ser mais ou menos visceral de acordo com os perfis que lhe são exibidos. Ele precisa fazer bem a sua escolha e, caso passe por algum perfil que lhe gerou atração, mas o jogou para a esquerda (equivale a ignorar ou descartar) sem querer o Tinder oferece a possibilidade da segunda chance: é aqui que ele se encaminha para o nível comportamental de experiência do usuário.
O Happn por sua vez atinge o nível visceral do usuário de outra forma: lhe dá total liberdade de escolha para que, naquela vitrine exibida, ele próprio determine quais perfis lhe são primeiramente interessantes e dedique a eles a atenção que deseja.
Nível 2: Comportamental
O nível comportamental lida diretamente com a sensação de controle da experiência por parte do usuário, ainda que esta esteja ligada ao subconsciente deste. É na fluidez do uso da ferramenta que o prazer em utilizá-la, assim como a satisfação com ela, se dá. Ou seja, quanto mais rápido problemas são resolvidos, mais satisfatória é a experiência do usuário.
O Tinder alcança o nível comportamental rapidamente durante a seleção de matches, por parte do usuário. Como dito no nível acima, uma vez que o usuário deseja dar aquela segunda chance ao perfil erroneamente recusado, o Tinder oferece a chance de recolocá-lo ali mesmo onde estava contanto que se pague um valor por esse serviço. Caso isso não seja um problema, aquela dificuldade é rapidamente resolvida. Todavia na situação contrária em que há algum impedimento (por exemplo, o usuário achar o valor caro), a experiência dele sofre um leve solavanco deixando claro que ele não possui o total controle que a experiência o induz a pensar.
O Tinder também possui a opção Super Like que mostra o perfil do usuário com destaque para o seu match, após ele dar um super like no candidato que lhe interessa. Embora este bônus atinja a sensação de estar controlando algo, a escolha do outro usuário (o alvo) muitas vezes desfaz completamente aquela sensação de prazer ao utilizar este bônus. É um fato concreto que a plataforma não deve ser responsabilizada pela ausência de reciprocidade dos usuários uns com os outros, todavia o modus operandi dela vende a imagem de que basta um clique aqui e outro ali para conseguir o que se quer: satisfazer ambos níveis (visceral e comportamental) em uma jogada só.
O Happn em contrapartida oferece uma maior sensação de controle da experiência para o usuário uma vez que, primeiramente, por exibir todos os perfis próximos de uma vez só (e que ali ficam listados mesmo não estando mais na mesma área) soluciona o problema da escolha apressada e da necessidade da segunda chance que existe no Tinder. Com mesma função, mas outro nome, o Happn oferece o ‘dar um oi’ como o Super Like do Tinder, sendo mais uma forma de entregar controle ao usuário.
O aplicativo ainda entrega ao usuário a opção de dizer o que procura naquele momento em que está online (por exemplo, ir ao cinema) para aumentar a capacidade dele de atrair ou escolher perfis que estejam procurando a mesma atividade/interesse numa tentativa de ampliar a possível reciprocidade entre membros e, assim, satisfação de uso do aplicativo. Há ainda outro extra: o bônus diário e gratuito de escolha entre quatro perfis em algumas várias rodadas de um candidato que possivelmente poderia ter dado like no usuário.
Ou seja, o Happn procura ampliar e explorar as possibilidades de entregar maior satisfação e prazer ao membro da sua plataforma dando a ele maior sensação de controle sobre as vias de atuação dentro do aplicativo.
Mas por que o Tinder se ressalta mais que o Happn? A questão aqui pesa mais no nível reflexivo.
Nível 3: Reflexivo
O nível reflexivo está diretamente relacionado ao ego individual, ao status que o uso ou compra do artefato atribui ao indivíduo em seu contexto pessoal.
E é aqui que o Tinder ganha: a empresa investe pesado em seu branding, o que faz do Tinder um aplicativo que vende a imagem de descolado, aventureiro, aquele que está presente em toda as festas ou ainda aquele que te faz conhecer exatamente as pessoas que você deseja encontrar. De romance a contatinhos, a imagem dele vende um status bom, popular e satisfatório.
Quem quer que seja, mesmo que não faça uso do aplicativo, ao ser perguntado sobre aplicativos de relacionamento automaticamente citará o Tinder. Mesmo que na prática a experiência do usuário não seja tão satisfatória, mesmo que ele precise escolher cuidadosamente os perfis (caso não queira gastar dinheiro com o aplicativo), ainda assim ao usar Tinder ele se sentirá inserido num rol de usuários populares, com boa imagem pública, atual e moderna.
O Happn quando foi lançado no Brasil (2015) ainda conseguiu investir por certo tempo na imagem de melhor concorrente do Tinder, todavia ele não conseguiu investir o suficiente em seu branding para criar uma imagem sólida, a ponto de equiparar-se ao Tinder ou atrair para si adjetivos por causa de seu uso. Ainda assim o Happn é lembrado aqui e ali justamente por sua funcionalidade e a entrega positiva de experiência e controle do usuário.
Concluindo….
De modo geral e em termos de satisfação da experiência do usuário, Happn ainda consegue entregar uma maior linearidade de prazer durante o uso que Tinder com seus pequenos solavancos na operacionalização. Embora ambos ainda não conseguiram superar a mesma dificuldade que é a de ampliar a reciprocidade entre os usuários. É uma queixa comum entre todos: o match acontece, mas a hora da conversa às vezes nunca chega.
Ambos adotam mensagens automáticas de incentivo à conversa, Tinder por vezes oferece ideias de temas para começo de conversa entre os usuários, mas ainda assim a reciprocidade nem sempre acontece. Aqui, porém, nenhum dos dois tem culpa uma vez que o fator ego entra em ação. O outro lado do nível reflexivo, em que o usuário utiliza a plataforma para satisfazer sua auto-estima.
Talvez a solução para estes casos fosse a de identificar previamente qual a real intenção do usuário na plataforma, afim de neutralizar e solucionar o problema da conversa entre matches: ou seja, usuários interessados apenas em acumular matches seriam ou redirecionados a outro estilo de plataforma ou descartados.
Ou ainda, de modo utópico, um aplicativo de relacionamentos no qual o nível visceral seria o último a ser atendido: a foto do usuário seria exibida apenas após o match. Ou seja, a seleção de perfis candidatos seria completamente diferente uma vez que a plataforma precisaria explorar melhor todos os demais canais que garantem uma atração eficaz online e aumente a precisão de matches.
Um desafio e tanto, mas que de certa seria bom experimentar.
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